Barrichello e o diabo

 Jessé Souza*


Quando Rubinho Barrichello recebia ordens da Ferrari para deixar Schumacher ultrapassá-lo, ali estava a essência de um conceito que todos os profissionais deveriam aprender logo nos primeiros dias de faculdade, antes de encarar qualquer profissão: o comprometimento e a lealdade com a organização para quem se está trabalhando.

Não se trata de ser subserviente ou cumprir ordens que atropelem a ética profissional. Barrichello poderia se rebelar se estivesse pensando apenas no seu ego ou nos proveitos pessoais. Ou simplesmente desistir da empresa e buscar outra na qual pudesse ganhar uma corrida sem restrições.

Porém, ele pertencia a uma organização que tinha planos, metas e objetivos a cumprir, estava dentro de um plano organizacional. Quem não se enquadra é porque não atende sequer às expectativas de reciprocidade entre indivíduo e organização, esta que, por sua vez, tem obrigações legais, morais e financeiras com o seu membro.

Barrichello poderia tirar ao menos uma vitória de Schumacher, já que foram tantas, mas estaria agindo com insubordinação. E teria decretado seu fim profissional, pois não há empresa que tolere insubordinação ou quem não atenda aos princípios de comprometimento e lealdade a um plano ou projeto maior.

Em jornalismo, a corrida é a mesma, pois nenhum profissional é totalmente livre para fazer o que bem entender. Existem princípios administrativos e uma linha editorial a seguir. Se a pessoa acha que não deve seguir as orientações e determinações, então tem que fazer o que Chateaubriand disse certa vez a um de seus profissionais: “Abra seu próprio jornal”.

Mas ser leal ou comprometido com a organização não significa agir fora da ética, da moral ou dos princípios legais, conforme já frisei. Apenas precisa entender que existe hora para pisar no freio (Barrichello) e hora para seguir em frente (Schumacher) dentro de um princípio organizacional. Quem não aprende ou não entende isso, estará fora do mercado fatalmente ou relegado a um plano menor, para onde são enviados os que não sabem fazer o jogo administrativo e profissional.

Idealizar uma profissão que possa não apenas satisfazer suas necessidades financeiras e sociais, mas também contribuir com a sociedade, faz parte de qualquer plano de quem está em busca de uma carreira. Mas é preciso ter em mente, logo nos primeiros anos de faculdade, que existe um princípio maior, que escapa de nossos anseios pessoais.

É possível furar alguns bloqueios (não atender imediatamente a ordem de parada, como fez Barrichello, por exemplo), mas desde que não represente uma quebra de confiança ou hierarquia. A quem pensa em ser jornalista, aconselho a assistir ao filme “O diabo Veste Prada” (2006), caso pensem em não aceitar as regras de um jogo empresarial indesejado.

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista
jesseroraima@hotmail.com

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