Dia da Pátria-que-o-pariu 

Jessé Souza*
Sou do tempo em que se celebrava qualquer conquista: um tênis novo, um lápis novo ou caderno novo com o seu cheiro peculiar junto com a borracha de apagar. Tudo era motivo para se celebrar, inclusive uma calçada nova ou mais uma parede de tijolo levantada na casa de madeira. Festa ainda que apenas de algazarra.

Das tribos dos tempos mais remotos até as atuais, o ser humano festeja. Em Roraima, por exemplo, os índios que dançam o Parixara ou o Arereuia em reuniões, rituais ou mesmo antes de fazer um mutirão com a comunidade, o chamado ajuri. Celebrar significa agradecer os feitos, pelo esforço pessoal ou pela ajuda dos céus, seja de que credo a pessoa for.

Mas parece que este comportamento natural do ser humano está desaparecendo, principalmente depois que as redes sociais ganharam força. Está se tornando errado ou feio comemorar (“A inveja tem Face”, dizem logo os que não querem celebrar ou mesmo sentem-se incomodados com a alegria dos outros).

O pior é o derrotismo que se implantou a partir do “politicamente correto”, em que datas comemorativas não podem mais ser celebradas por vários motivos, entre eles por causa do consumismo e do comportamento de achar que ninguém tem mais vitória no Dia do Índio, Dia da Mulher, Dia do Servidor, Dia da Abolição da Escravatura, Dia da Pátria-que-o-pariu.

Estamos sendo empurrados ao sentimento de guerra contra tudo e contra todos, infelizes e revoltados, como se não tivéssemos nenhuma conquista, nenhuma vitória, nenhum avanço nesse mundo onde nem se pode mais dizer que o computador melhorou a vida depois que a máquina de datilografia foi aposentada.

A mulher avançou nos seus direitos, muito embora a luta ainda seja árdua. Mas por que não comemorar as vitórias? Os negros conseguiram sair da escravidão, apesar das condições sociais e econômicas que ainda escravizem não só os negros, como todos os demais pobres e desvalidos. Mas por que não comemorar a Abolição da Escravatura como um marco para o Brasil, principalmente para os brasileiros de cor?

O professor está desvalorizado e sua profissão correndo sérios riscos, mas por que não comemorar o Dia do Professor com os avanços que a categoria já conquistou? Por que os índios não devem celebrar seu dia, apesar de a data ter sido inventada por não índios e pelas lutas que ainda precisam ser travadas?

 Os portugueses não tiraram a alegria dos índios, ao portarem por aqui, nem dos negros quando os tiraram da África e os escravizaram. É preciso celebrar porque cada conquista é um passo a mais, uma vitória a somar na conquista que nunca termina na imperfeição humana.
 
Não podemos perder essa alma festiva só porque dizem por aí que não se deve comemorar porque é “politicamente incorreto”. Que se danem os “politicamente corretos” e os que não gostam de celebrar. Celebrar está no DNA humano, mas até isso querem nos roubar...

P.S.: Publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista
jesseroraima@hotmail.com

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