Armagedon do lavrado

Jessé Souza*

Ainda lembro daqueles extremistas que usavam a mídia local para pregar o terror e a paranoia da internacionalização em Roraima. De tão absurdo e muito semelhante a uma lavagem cerebral praticada pelas igrejas neopentecostais,  muitos até hoje estão com sequelas em seu senso crítico e inteligência.

Recordo-me dos relatos surreais sobre “invasão de capacetes azuis”, “ocupação territorial pelos Estados Unidos” ou mesmo pouso de objetos voadores não identificados que iriam abduzir a mente de todos que não acreditassem em uma grotesca mentira pregada aos moldes das táticas nazistas.

Essa gente era levada a sério, dava entrevista em rádios, escrevia em jornais e inflamava discursos em rodas de bate-papos, como se fossem enviados do além para anunciar o apocalipse, o Armagedon do lavrado. De tão ridículos que eram, ninguém conseguia enxergar isso.

Enquanto alardeavam as pregações apocalípticas, os corruptos tinham caminho livre para se apoderar de Roraima, esses, sim, os verdadeiros invasores nem tão alienígenas assim, sabedores de que, em Roraima, era possível enganar quase todo mundo com esse tipo de alarde e por meio de táticas goebberianas.

Deu tão certo que até hoje tem gente sequelada. Esse pessoal responde tão bem aos estímulos que basta pregar qualquer mentira por meio das redes sociais ou da mídia tradicional para que logo entre em pânico mental, anulando o senso crítico, tão necessário para um cidadão.

Enquanto muitos ainda esperam os “capacetes azuis” e os “Marines norte-americanos”, os políticos espertalhões mandam seus “fuzileiros navais” fincarem marcos para delimitar áreas para garimpagem, inclusive na Serra do Tepequém. Enquanto o povo roraimense olha para o céu com medo de ETs e Óvnis, os corruptos agem na surdina - muitas vezes nem tanto na surdina assim, pois os roraimenses só se assustam quando surgem um alarde, uma boataria qualquer, uma “notícia fantástica e tenebrosa”.

É desta forma que o povo é tratado, na base da paranoia e dos sofismas. Como ficamos sequelados com tantas mentiras exaustivamente repetidas como se verdades fossem, agimos como retardados políticos ou acometidos pela síndrome do pânico. Quando se age covardemente pelo medo, a tendência é querer deixar tudo como está, pois a lógica é acreditar que tudo pode piorar ainda mais.

Essa é a lógica de temer mudanças e manter os mesmos operadores do esquema. Achamos que, se é ruim com eles, pode ser pior sem. Somos reféns, sofremos da síndrome de Estocolmo (estado psicológico em que uma pessoa, submetida há um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor). Quem irá nos livrar disso?

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista 
*Jornalista

jesseroraima@hotmail.com

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