Um brinde!

Jessé Souza*

Não há nada de errado em reverenciar um ídolo que morreu em uma tragédia. O errado é tentar fazer o Brasil acreditar que temos que ter os mesmos ídolos criados pela TV e pelo modismo. E que temos de engolir tudo o que nos é empurrado goela abaixo, seja rock, pop, sertanejo ou música clássica.

Tantos heróis anônimos que fizeram algo grandioso, mas que merecem apenas umas míseras linhas na imprensa ou alguns poucos segundos no telejornal em horário nobre. Muitos escritores que deram importantíssima contribuição para a arte, a cultura e a literatura que sequer são conhecidos porque eles não dão lucro para essa “indústria cultural” que preza pelo descartável.

Diariamente, muitos pais e mães de famílias são vítimas da violência no trânsito e nos subúrbios das cidades sem que mereçam as devidas atenções, sem que suas histórias sirvam como uma boa lição para esse Brasil da frivolidade e de reacionários que conseguem adeptos pela ignorância, desinformação e o analfabetismo.

Artistas que deveriam ser tratados apenas como artistas se tornam heróis ou seres iluminados que passam a ter seu enterro transmitido ao vivo pela maior emissora de TV do país. É como se quisessem implantar várias ditaduras: a dos religiosos, do sertanejo, dos homossexuais, dos homofóbicos, dos militares...

A população tem sido submetida a factóides e à construção de uma realidade que não exige senso crítico ou bom senso. É como se fôssemos boiada pronta para ser empurrada, de cabeça baixa e ruminando, para o matadouro da ignorância e do vazio. 

Querem transformar em heróis e exemplos de vida qualquer um que possa arrebanhar multidões para um show qualquer. Até nas nossas cédulas de dinheiro os vultos nacionais desapareceram, os quais foram substituídos por garoupas, onças e beija-flores. Heróis passam a ser funkeiros, sartanejeiros, rockeiros, noveleiros e outros “eiros”  que surgem do nada e são substituídos por outro sucesso, logo em seguida. 

É como se quisessem dizer que devemos baixar nossa cabeça para o próximo anúncio de TV, ao Ibope, ao número de CDs vendidos, à quantidade de gente arrebanhada para ficar de frente para um palco de um show de qualidade duvidosa. 

Pior: querem nos fazer crer que errado é quem critica a “cultura do descartável” e o vazio de sucessos mantidos por investimento altíssimos em anúncios e massificação. E quem preza pela letra, pela poesia, pela literatura e pela inteligência está desatualizado, ultrapassado, parado em um tempo em que Facebook é a maior expressão de vida de um cidadão que se sente livre para atacar quem ele quiser, da forma que quiser. 

A morte me comove. Mas me comove mais ainda essa onda de bestialização que se abateu sobre o Brasil. Essa é a pior das tragédias, a qual nos dilacera e nos enterra vivos. Então, um brinde à idiotice, porque é só isso que tenho a dizer.

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista
*Jornalista
jesseroraima@hotmail.com


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