O Brasil no lombo

Jessé Souza*


Quando o Brasil ainda buscava seu caminho, surgiu um movimento massivo que pregava a existência de uma “democracia” racial, em que todas as pessoas, independente de cor e raça, conviveriam harmoniosamente nesse imenso país continental.

Era isso o que diziam os livros de História e de Educação Moral e Cívica na década de 70. Índios e negros apareciam nos livros como apenas colaboradores na arte, na culinária, na dança e, no máximo, no esporte. E nunca diziam que o Brasil foi construído no lombo dessas populações, escravizadas por séculos.

Também não se dizia que o sangue, suor e lágrimas dessas populações lavavam a bandeira da “democracia racial”, democracia esta que funcionava desde que índios e negros, com seus respectivos descendentes, não reivindicassem direitos, ou se rebelassem contra os senhores da senzala, ou não questionassem o sistema.

Então, o Brasil avançou na democracia, as escolas passaram a tratar os temas com consciência crítica e os negros e índios conseguiram ser visualizados. Porém, essa suposta “democracia racial” nunca foi concretizada. Pelo contrário, começou um movimento massivo para que negros e índios não se encorajem a buscar seus direitos.

Querem que os excluídos desde o achamento do Brasil, há cinco séculos, se enquadrem em uma suposta meritocracia que só beneficia quem já começou com méritos. Os defensores dessa imposição apontam como exemplos personagens negros que conseguiram furar o forte bloqueio, como se eles fossem regra, e não exceção.

A situação chegou a um nível em que negros e índios passaram a se intimidar em buscar seus direitos ou de protestarem contra o racismo, como se essa parcela da população tivesse passado de vítima a algoz. Já vi negros com vergonha de protestarem nas redes sociais com receio de serem tachados de “coitadinhos” ou “malandros” em busca de cotas ou privilégios.

O exemplo desse Brasil que querem ocultar aflorou na semana passada, quando a jornalista Maju, que apresenta o quadro da previsão do tempo no Jornal Nacional, foi agredida de forma racista, inclusive chamada de “macaca”, pelo simples fato de ser negra e aparecer no maior telejornal brasileiro.

É disto a que me refiro. O Brasil racista tenta ocultar a realidade, pregando uma falsa “democracia racial”, impondo uma “meritocracia” que só beneficia a elite, intimidando as minorias a se sentirem envergonhadas e culpadas por cobrarem por seus direitos e exigirem os benefícios das leis.

Não há explicação ou justificativa para o que fizeram com a Maju e para o que fazem todos os dias contra aqueles que são de cor ou vivem na base da pirâmide social que sustenta o Brasil nas costas e que discrimina, que exclui e oprime aqueles que tentam furar o grande bloqueio.  

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista
jesseroraima@hotmail.com

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