Quem fomos e quem somos

Jessé Souza*

Com as redes sociais, é possível notar o quanto cresce o número de pessoas que se sentem à vontade para serem racistas, elitistas (mesmo sendo pobres) e preconceituosas (inclui-se aí a homofobia). Não é um fato que surge do nada. A internet apenas está aflorando aquilo que está enraizado na nossa cultura.

Somos produtos de um país marcado pelo genocídio, torturas, ditadura, escravatura e injustiças sociais. Muitas vezes, injustiças cometidas com a justificativa de que era necessário para “combater o mal” e “salvar” o Brasil. O livro “Brasil: uma biografia”, da antropóloga Lilia Schwarcz e da historiadora Heloisa Starling, dá uma pista para entender quem fomos e quem somos hoje. Vejamos, abaixo, o que a obra diz.

Nossa história começou com o genocídio da população indígena, chamada hoje eufemisticamente de “encontro” de sociedades. O morticínio reduziu uma população estimada na casa dos milhões, em 1500, para cerca de 800 mil atualmente.

Depois veio o sistema escravocrata, quando o Brasil recebeu 40% do total de africanos, sob regime de escravidão, num total de cerca de 3,8 milhões. Fomos o último país a abolir a escravidão mercantil no Ocidente (em 1888, e depois de muita pressão). Por quatro séculos, escravos eram leiloados, alugados, penhorados, segurados, torturados e assassinados.

A Guerra do Paraguai foi outro episódio vergonhoso. Foram cinco longos e doloridos anos, de 1865 a 1870, com 800 mil a 1,3 milhão de paraguaios mortos, enquanto no Brasil foram de 100 a 140 mil.

Canudos, em 1897, é outro episódio: uma comunidade sertaneja originada de um movimento sóciorreligioso, liderado por Antônio Conselheiro, que incomodou os grandes proprietários de terras. O arraial foi invadido por tropas militares, queimado a querosene e demolido com dinamite.

Em 1933, Getúlio Vargas criou a Delegacia Especial de Segurança Política e Social (Desp), que matava, torturava ou deixava apodrecer nos calabouços os suspeitos e adversários do regime sem necessidade de comprovar prática efetiva de crime. A delegacia manteve um intercâmbio, reconhecido pelo governo brasileiro, com a Gestapo – a polícia secreta de Hitler.

Os centros clandestinos de violação de direitos humanos foram outro episódio. A ditadura militar instalou, a partir de 1970, centros clandestinos que serviram para executar o desaparecimento de corpos de opositores mortos sob a guarda do Estado – como a retirada de digitais e de arcadas dentárias, o esquartejamento e a queima de corpos em fogueiras de pneus.

Por último, houve o Massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 presos foram mortos e 110 feridos em um cenário de horror, com poucos punidos e todos recorrendo em liberdade. E sob aplausos de boa parte da sociedade.

Somos produtos de tudo isso, pois muitos acham que, para “salvar o Brasil”, é preciso cometer injustiças, rendendo aplausos à elite e à ditadura, que sempre se puseram como salvadoras do país.

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista
jesseroraima@hotmail.com

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