Do povo?!

Jessé Souza*

Qualquer decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) tomasse com relação à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, um dos lados iria sair perdendo algo. Não haveria uma decisão “justa”, porque decisões judiciais nem sempre são justas, assim como nem todas as leis são justas.

A mais alta Corte do país decidiu favorável aos índios, pondo fim a uma disputa judicial longa, batalha esta que, antes de chegar à esfera judicial, durante 30 anos provocou intensos conflitos entre índios e fazendeiros, índios e arrozeiros, índios e garimpeiros, índios contra índios.

Não havia como equacionar essa disputa sem que alguém saísse perdendo algo, já que ninguém estava disposto a ceder. Porém, como todas as forças políticas, judiciais e governamentais foram mobilizadas contra a demarcação, houve uma estigmatização do índio, colocando-o como “o” bandido, imagem esta que é usada para culpar as populações indígenas por tudo de ruim que acontece em Roraima e para não aceitar o que o STF decidiu.

Não é fácil superar um longo conflito travado por décadas. Porém, a sociedade roraimense só vai conseguir avançar em seus projetos de desenvolvimento quando assimilar que esta decisão judicial não tem mais volta e que as populações indígenas devem fazer parte de todo e qualquer projeto daqui para frente.

Da parte dos índios, enquanto se lutava pelas terras, muito se avançou na área educacional, formando jovens indígenas para que possam ser donos de seu próprio destino. O próprio Governo de Roraima, por meio da Divisão de Educação Indígena (DEI), foi pioneiro em garantir uma educação diferenciada aos índios.

A longa batalha acabou coroada com a criação do Insikiran, na Universidade Federal de Roraima (UFRR), que possibilitou aos índios, professores ou não, tivessem acesso ao ensino superior, abrindo novos horizontes e um importante caminho para que, formados, eles se tornem parte da construção desse Estado, desta vez intelectualmente.

Mais eis que, depois de todos esses avanços, o mesmo Governo de Roraima decidiu rasgar tudo aquilo que foi construído, retirando a Educação Indígena do Plano Estadual de Educação (PEE). E isolando a DEI para que ela não tenha mais forças.

Para reforçar essa ânsia em golpear a educação indígena (talvez porque os governantes acham que índio não deve se formar, pois assim ele continuará “voto comprado” ou “voto de graça”), agora espalham um boato preconceituoso e racista de que os professores indígenas estão sendo pagos com garrafa de cachaça para fazer greve.

É um absurdo inominável não apenas esse ato deplorável de querer desclassificar os professores indígenas, mas principalmente o de tentar colocar a Educação Indígena como algo inútil e marginal. É querer que os povos indígenas continuem sendo os peões do Estado, como queriam os fazendeiros de antigamente. Governo do povo?!

P.S.: Artigo originalmente publicado na Folha de Boa Vista


*Jornalista
jesseroraima@hotmail.com

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