Um sobrevivente

Jessé Souza*

Quem nasceu nos anos 70  vivenciou  bruscas transformações e, quem não se enquadrou nelas, ficou perdido no tempo e no espaço. Sou um sobrevivente. Cheguei aos anos 80 na adolescência e caminhei minha juventude nos anos 90. De 1970 até 1990, o mundo entrou em ebulição com o período da Guerra Fria até a derrubada do Muro de Berlim – que também pode ser simbolizado por outros muros.

Nesse período, os jovens saíam do Ensino Médio e entravam para a faculdade com uma ideologia. A escola no período pós Revolução Industrial não significava apenas um sonho de ascensão no extrato social. Era muito mais que isso. Como vivíamos em mundo dividido entre capitalismo e comunismo, o estudante se engajava nas lutas contra o sistema, contra a exploração da mão de obra e pela politização das massas. Era pura utopia.

Naquele momento ninguém sabia para onde iríamos caminhar, já que não existia algo que fosse centralizado e controlado, como se faz hoje com a internet, então os estudantes tinham na formação, na conquista do diploma de nível superior, a entrada para o mundo dos ricos e poderosos.

Nas décadas e 60 e 70, a entrada para as universidades, por pessoas de famílias pobres ou de poucas posses, significava também a porta de entrada para batalhar por uma sociedade melhor, onde se podia usar o descontentamento político e social para fazer algo em relação às questões sociais e políticas.

É por isso que os movimentos eclodiram, no Brasil, na década de 80, junto com o rock como hino, como forma de protesto. Já que vivíamos em um período de repressão, o rock brasileiro era a forma de conscientizar e protestar. Os shows mais pareciam um “comício”, uma forma de protestar contra tudo e contra todos.

Com a construção desta nova realidade que vivemos hoje, a partir do individualismo como nova ordem mundial, e a juventude mais preocupada com o “selfie” do que com a sociedade na qual ela vive, a escola, a universidade, deixou de ser o lugar da utopia social, das grandes batalhas em favor de uma sociedade melhor.

Nem o rock produzido hoje faz mais sentido coletivo. Estão criando mundos individuais, em que o “eu” vem na frente. Enquanto os ricos e os poderosos (isso é uma redundância, sim) ainda tem na educação formal a manutenção do poder, os menos privilegiados economicamente, preocupados com o “selfie” da sua página no Facebook e Instagram, nem se dão conta, pois estão isolados e despossuídos inclusive de ideologia.

Os mais pobres chegam até acreditar em meritocracia, mesmo que o filho do rico nunca tivesse que trabalhar e ajudar em casa, vivendo apenas para estudar, ganhar presentes e viagens só para passar de ano. Mesmo o pobre tendo que ralar, sofrer e vencer para disputar a vaga na universidade com esses privilegiados, com seus pais soando sangue, muitos ainda acham que essa meritocracia é justa. E nem isso os indigna mais...

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista

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