Do tempantigo


Jessé Souza*

Posso dizer que tive a infância e a adolescência privilegiadas em um tempo em que livro era uma raridade. Por mais absurdo que possa parecer, a TV daquela época, das décadas de 70 e 80, supriram muito a lacuna da falta de livros e da distância das escolas com a leitura e com a cultura.

Na transição dessas duas décadas, passava Charlie Chaplin nos programas vespertinos (sim, isso mesmo: em preto e branco,como no cinema mudo, apenas com algumas legendas). Os programas de humor eram com os Três Patetas e Jerry Lews. Humor puro, sem duplo sentido, sem apelação, com inocência, com direito a pastelão e tudo o mais.

Também nos programas vespertinos passavam os longos filmes de Elvis Presley. Como assim? Isso mesmo. O “Vale a pena de ver de novo” de nossa época era com as aventuras de Elvis Presley, que lutava contra bandidos e dava shows de rock por onde passava, cantando, tocando e dançando em cima de capô de carro e da mesa dos bares.

Ainda lembro que um de nossos desenhos animados, daquela época, era “As aventuras de Gulliver”. Em vez de novelas de chifres e intrigas, assistíamos a programas de crianças mesmo, a exemplo de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, baseado na obra de Monteiro Lobato. Esse programa era uma aula de literatura que jamais esqueceremos.

Não, não estou querendo dizer que éramos melhores e nos tornamos melhores por causa disso. Friso que a TV era melhor, porque ela nos supria a falta de livros, que eram raridade e tratados como preciosidades nas bibliotecas das escolas (quando tinha uma, é verdade). Conseguíamos livros e revistas perambulando pelo Centro de Boa Vista, quando encontrávamos no lixo, lançados no lixo.

Nossa alfabetização era a bucólica didática da “Casinha Feliz”, com seus livros cheios de desenhos, bonecos e fichas de sílabas que tínhamos a obrigação de cantar a formação de palavras com suas devidas fonéticas. Cada letra tinha um chiado e uma dinâmica diferente. Tínhamos vergonha de ser chamados para frente da sala (pelo menos eu tinha) para falar/cantar a formação de uma sílaba, como a do “S”, da serpente, com o “A” de amor. Tinha que chiar como uma serpente.

Hoje a TV tornou-se esse trapo que temos aí. Os livros estão por todo o lugar, mas quem disse que as pessoas querem ler?! A escola nem faz mais questão de um método de alfabetização, até porque hoje tudo se critica, tudo faz mal, nada presta ou não é condizente com a realidade.

Aprendíamos a letra “X” com xale que nunca sabíamos o que era. Ou o “Z” de zebra que só vínhamos em enciclopédia, a qual era escondida no alto das estantes.

E nem por isso desaprendemos ou ficamos burros. E o que nos resta hoje? Qual será a saída para a escola? Para a nossa formação? Para a TV? Para a nossa vida? E-mails para a Redação, por favor...

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista 

*Jornalista

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