O peão, xadrez e realidade



Meu filho mais velho tinha um trabalho para fazer em casa: desenhar uma obra de arte em uma tela que retratasse o xadrez - sim, o jogo, não a cadeia para onde estão indo políticos corruptos. Ele comentou que estava sem ideia para pintar a tela. Disse que alguns colegas estavam pintando suas obras com as cores da bandeira da França, obviamente uma solidariedade aos ataques terroristas contra os cidadãos daquele país.

Imediatamente me deu aquele estalo mental. E o orientei a fazer diferente, algo com as cores do Brasil, usando a peça do peão simbolizando exatamente o que ele representa nas duas realidades, no tabuleiro do xadrez e na vida do brasileiro, que tem de batalhar diariamente sendo exatamente isso, um peão que é enviado para a linha de frente a fim de manter “rei” e “rainha”.

Porém, minha finalidade não é falar da arte do meu filho. Nem dele. E sim da forte influência que a mídia tem na vida das pessoas. Na porta da escola, na manhã de ontem, vi exatamente o que ele havia me dito no dia anterior: telas pintadas com a bandeira da França.

Obviamente que é dever nosso, como cidadãos, sentir solidariedade com a França, seus mortos e repudiar o terrorismo. Mas a forte persuasão da imprensa funciona como uma lavagem cerebral, a ponto de pré-adolescentes sentirem-se sensíveis ao que está ocorrendo bem longe daqui, esquecendo dos problemas urgentes que o Brasil enfrenta.

Já tive essa idade e sei como o distante e o diferente encantam, principalmente por aquilo que passa na TV. Porém, é necessário que os educadores estejam atentos a despertar a visão crítica, não recriminando ou criticando a solidariedade à França, mas a necessidade de também se mobilizar por nossa realidade.

A reconstrução do Brasil depende desse incentivo à criticidade nas crianças. Tem que ser muito cedo o despertar. Podemos ser “cidadãos do mundo”, mas sem esquecer nossa aldeia, nossas raízes. E a escola é imprescindível para construir o espírito do cidadão que se envolve com as tragédias humanas que passa na mídia, mas sem deixar ofuscar a realidade local, nossas próprias tragédias, as quais precisam de nossa intervenção ainda que intelectual.

Além disso, dentro do ser solidário aos franceses, as pessoas precisam saber não apenas o que motivou os ataques terroristas, mas também a ação dos senhores da guerra, a máquina de fabricar conflitos e quem lucra com tudo isso, do ataque terrorista à guerra contra povos e nações sob a bandeira do imperialismo.

Só contextualizando o que passa na mídia e acordando as pessoas para a nossa realidade, sem obviamente excluir o “modismo de rede social” ou a comoção com as tragédias de outras nações, é que poderemos reconstruir o Brasil.

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista 
*Jornalista
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