O vídeo e a escola


Assisti ao vídeo do garoto derrubando tudo na sala de uma escola pública. Tudo devidamente filmado com as vozes de professores dizendo: “deixa ele”, “não toca nele”, “deixa ele quebrar tudo”. E dá-lhe comentário nas redes sociais do tipo “se fosse, meu filho...”, “projeto de bandido...” (aí já metem o PT no meio), “deliquente desde pequeno”...

Estudei no antigo Magistério, no final da década de 80, que era nossa antiga faculdade quando não havia universidade para formar professores. E encarei uma sala de aula na educação infantil, cujos alunos tinham idade muito semelhante a do garotinho do vídeo.

As imagens mostram claramente que o garotinho hesitava em derrubar as coisas. Mas ele se via incitado de alguma forma pelas vozes: “deixa”, “não toca”, “quebra tudo mesmo”. Ao hesitar, ele estava querendo que apenas alguém o impedisse de alguma forma, mas da maneira correta, com as palavras e atitudes certas.

Já fui criança birrenta e sei que, muitas vezes, fazia as coisas só para receber o tratamento certo. Mas, na maioria das vezes, era a taca certa que vinha da minha mãe. Meu pai que era o dialogador, o que tinha as palavras certas, o carinho... Mas deixemos minha infância de lado, pois a realidade mudou muito de lá para cá.

Isso mesmo. A realidade mudou, mas não mudou a formação dos professores, que não acompanhou os novos tempos nem conseguiu habilitar os profissionais para dialogar com o novo tempo. No passado, como não havia educação suficiente para dialogar, a violência era a “terapia” não só para crianças indolentes, mas para os “loucos”, as mulheres solteiras, a mocinha grávida e até mesmo para os “leprosos” (acometidos pela hanseníase).

Sem saber dialogar, professores fazem isso, na base do discurso do “deixa ele”, “quebra tudo que a tua mãe vai pagar”, “não toca nele”. Não se viu, naquele vídeo, nenhuma habilidade para estabelecer um diálogo para uma criança daquela idade e naquelas condições (seja lá a origem do problema que for). Da educação antiga, tenho até saudade da orientadora educacional, aquela senhora que acalmava menino malcriado que aprontava e dava surra em coleguinhas mais fracos.

Eu já sei quais são as respostas que muitos querem dar para este artigo: “Leva esse bandidinho para a sua casa”, “defensor de deliquentes que vão virar bandidos petistas”.... e por aí afora! Porque está se criando uma mentalidade de que nada tem mais jeito e que a saída agora é “olho por olho”.

A escola não consegue mais conversar porque sequer conhece quais são os canais pelos quais as crianças e adolescentes se comunicam. Com os lares destruídos e famílias desajustadas, o professor e a escola não têm tempo nem obrigação de educar. E os conflitos surgem porque ninguém consegue mais dialogar com a desculpa de que “o mundo está perdido”. E assim ninguém quer ter mais a obrigação de agir como verdadeiros educadores...   

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista
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