Que horas mesmo?



Se “Central do Brasil” não foi premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1999, “O que hora ela vem?” estava mesmo longe de conseguir esse feito. Para resumir, é um filme chato, que não remete a qualquer emoção que leve o espectador àquele suspiro ou surpresa que faça acreditar em uma premiação internacional. 

Sim, não há surpresa porque se trata de um filme tipicamente brasileiro, que expõe uma realidade nua e crua tipicamente brasileira: a vida de uma empregada doméstica que mora no emprego. Talvez por isso tenha chamado a atenção no exterior, porque mostra exatamente um Brasil desconhecido lá fora.

Porém, o filme é bom para quem gosta de fazer reflexão sobre o Brasil, por isso é muito chato, com nota 10 para a atuação da brasileiríssima Regina Casé como a pernambucana Val, que foi para São Paulo tentar a vida, como empregada doméstica morando no emprego, assim como centenas ou milhares de brasileiras consideradas como uma “quase integrante da família”.

Usando uma linguagem cheia de humor, com expressões muitos conhecidas do Brasil brasileiro que convive com os nordestinos, Val representa inclusive aquela indígena que algumas famílias roraimenses traziam, para a cidade, com a justificativa de que iria estudar e ser tratada como “da família”, porém, não come à mesma mesa dos patrões, mora em um quartinho aos fundos, nunca tomou banho na piscina da casa e criou o filho dos patrões como se fosse seu próprio filho.

O filme expressa muito bem as relações de poder, de abuso e de submissão a que muitas domésticas estão sujeitas, até que a filha de Val, a Jéssica, chega a São Paulo para fazer vestibular de Arquitetura e acaba subvertendo tudo, depois de ser surpreendida com o fato de a mãe ser uma doméstica que mora com os patrões. E tudo começa a mudar, a relação de poder dos patrões e a submissão da doméstica.

Talvez todos os brasileiros devessem assistir a este filme para despertar à noção exata do que é o Brasil de verdade e como foram construídas nossas relações sociais a partir da emprega doméstica. Mas bem que poderia ser outra profissão daqueles que precisam sobreviver do subemprego.

Cada espectador vai se identificar com algo, seja pela exploração da mão de obra, pela fachada dos patrões que tratam a doméstica como “da família”, desde que ela fique “no lugar dela”, da imigrante obrigada a se submeter ao subemprego, da jovem idealista que não se contenta com a mãe sendo explorada e até mesmo a saída por meio do estudo formal (sim, Jéssica parece que vai vencer estudando). Assistam, porque o Brasil está retratado ali. E olha que nem falei sobre a classe média alta...

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista

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