Tambor de lixo e o Brasil


Jessé Souza*

Tornaram-se públicos certas atitudes e comportamentos depois que a tecnologia nos colocou à disposição a possibilidade de assistir vídeos a qualquer momento nas redes sociais ou repassados pelo celular. Da desgraça humana à bondade que ainda resiste no mundo, a Era do compartilhamento nos fez ver de tudo.

Sempre há uma surpresa nos esperando na próxima cena. A mais recente foi a de um vídeo postado que mostra um senhor, em um imponente e reluzente carrão prateado, furtando um tambor de lixo em frente a um estabelecimento, a certa hora da noite.

Conforme as imagens, o senhor estaciona o carro, fica diante da lixeira por alguns segundos, olha para um lado para o outro e coloca o tambor na caçamba de sua picape. E some diante dos olhos incrédulos das pessoas que acham que somente um “pé-rapado” ou um “noiado” poderia furtar um tambor de lixo para vender, a fim de conseguir uma grana qualquer, ou por não ter dinheiro para comprar um.

E assim vamos construindo esse Brasil da hipocrisia, em que as pessoas se acham na razão de achincalhar os políticos corruptos, mas agem na desonestidade em sua vida particular. E, pior: votam por conveniência ou favores, mas acham que safado é tão somente o mau político que elas mesmas ajudaram a colocar no poder.

Nesse Brasil do avesso, o ladrão de tambor de lixo, pelo carro que usava, talvez seja o mesmo que prega os discursos mais fascistas, os quais passaram a existir nesse momento conturbado no qual o país vive. Esse tipo de gente não vê problema em furtar uma lixeira, mas enxerga as piores atrocidades nos ambientalistas, nos defensores de minorias, nas feministas, nos ativistas sociais e em tudo aquilo que combate as injustiças sociais.

Os exemplos desse tipo podem ser ampliados: a pessoa que joga lixo pela janela do carro, mas se acha o mais politizado de todos; aquele que não respeita vagas de deficientes nem pedestres na faixa, mas chama todos os que lutam por melhores condições de vida de “comunistas”; o que abomina corrupto, mas desvia material do órgão público onde trabalha ou da empresa para a qual presta serviço.

Geralmente, quem está envolto na hipocrisia não costuma enxergar a realidade por outro ângulo. Porque, nesta visão atrofiada da política e da sociedade como um todo, só quem deve respeito às leis e tem obrigação de agir na honestidade em seus atos são os políticos, e não o cidadão, aquele que não está revestido de poder.

O avanço da dengue, do zika, do chikungunya e de outras doenças típicas de país do terceiro mundo é o exemplo claro de uma sociedade que aponta o dedo para os políticos e governos, mas não quer limpar a sua propriedade ou não quer cuidar do lixo que produz. Para piorar, alguns até preferem furtar logo o tambor do lixo...

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista
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