Volta à senzala

Jessé Souza*

Nos últimos dias, têm circulado na internet uma postagem que tenta desconstruir todos os discursos do feminismo, enaltecendo justamente o inverso: que bom mesmo é a mulher na academia, que gordura representa um fardo e uma doença, que as feias não deveriam ser incentivadas a se sentirem bonitas e outras situações.

Afirmando que “feminismo é uma doença”, a postagem tenta confundir as pessoas e fazer crê-las que quem defende direitos e igualdade de gênero está errado ou que se trata de uma anomalia a ser extirpada. Há uma grande finalidade em discursos desse tipo: fazer com que os desavisados e ainda em formação de seu caráter passem a considerar que errado é buscar igualdade, direitos, conscientização e lutar contra tudo o que oprime o cidadão.

Neste sentido, busca-se facetear as diferenças, que tudo seria questão de “meritocracia”, que contestar os erros do capitalismo é ser “comunista” (não na concepção da palavra, mas algo parecido com ser criminoso, como era no tempo da guerra fria) e que defender direitos humanos é defender bandidos. Logo, querer viver e pensar diferente dos pós-modernismos tornou-se uma ofensa e se encaminhando para um crime.

A postagem foi muito “comemorada” por homens que acham realmente que feminismo é uma doença. Querem uma mulher submissa, que privilegie o corpo em uma academia, que não brigue por seus direitos, que se contente em ser o que é: “feia, frágil ou submissa”. No final, eles queriam dizer, sem máscara: “Que me desculpem as feias...”.

Porque, dentro deste pensamento, feminismo é uma ameaça às propagandas de cerveja com mulheres peladas, às gostosonas que estão dispostas a entrar no primeiro carrão que oferece carona, às mulheres que aceitam que “direitos iguais” nunca vai existir, porque é da natureza humana o homem “ter mais força física”.

O feminismo realmente é um grande perigo para esse mundo machista. Porque feminismo não significa que a mulher será superior ao homem. Muito pelo contrário, o movimento busca o respeito pela igualdade de condições, de direitos, de gênero e de atitude. E isso é “coisa de esquerda”, assim como é perigoso conscientizar os pobres e dar-lhes educação.

Como feminismo significa buscar direitos e apontar opressores, o sistema logo reage, pois quem pensa diferente dele representa ameaça ao que se quer implantar no Brasil: a supressão de direitos e conquistas, o fascismo, a meritocracia que elimina direitos daqueles que nunca tiveram condições de igualdade financeira e social para estudar e vencer na vida.

A luta contra o feminismo é a mesma que visa deixar o cidadão sem referência, sem forças para contestar o poder em favor dos que sempre ficaram excluídos das decisões nacionais. Querem implantar uma farsa no Brasil para que a elite não perca seu poderio acumulado desde o tempo de Colônia. Porque lugar de pobre (e de feminista) é na senzala...

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista
Acesse: www.roraimadefato.com/main

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