Efeito Glória Pires


https://mscamp.wordpress.com/2010/03/28/sem-opiniao/

Deitado no sofá para acompanhar minha mulher que assistia ao Oscar 2016 na TV, muito cansado depois de uma partida de futebol com os filhos, via alguns lances da programação ao vivo. Mais dormente que acordado, eu estava ali muito mais porque queria ver a felicidade da minha companheira, que gosta de cinema.

Mas algo me chamou muita atenção: a atriz Glória Pires comentando, na Globo, os filmes indicados. Era tão superficial que chegava a ser patético. Lembro ainda das respostas: “Achei interessante”; “Curti, sim. “Foi merecido”; “Bacana”; “Não assisti”; “Não sou capaz de opinar”; “Muito interessante”; “Adorei”.

Uma ótima atriz, reconhecida internacionalmente, inclusive, mas o que ela sabe fazer muito bem é representar. Como se tratava de uma programação ao vivo, não havia como disfarçar, editar ou cortar. Então decidiu ser ela mesma. Não havia outra saída.

Então lembrei-me que estamos vivendo um “efeito Glória Pires”. As redes sociais também têm o papel de chamar as pessoas para o debate, mas não há como se colocar em pé um saco vazio, como dizia meu pai. É por isso que existe o “Like” (Gostei) e, mais recentemente, as caretinhas que indicam algum tipo de ação: “Amei”, “Haha”, “Uau”, “Triste” e “Grr”.

Um fato é a pessoa estar com preguiça de comentar algo e decide agradar com um “Like” ou com uma caretinha qualquer. Outro fato é a pessoa não ter conteúdo e passar a responder com monossílabo ou, como fez Glória Pires, usar interjeições. E ela ainda escolheu ser sincera para reconhecer sua incapacidade, uma saída honrosa para uma participação ao vivo, sem edições.

Mas o “efeito Glória Pires” é uma realidade cada vez mais assombrosa no Brasil, pois está surgindo uma geração sem conteúdo, sem preparo e superficial, suscetível a manipulações por meio do “efeito boiada”; ou, como se dizia no passado, “Maria-vai-com-as-outras”.

As pessoas passam a receber uma enxurrada de informação, em uma velocidade cada vez mais absurda, a ponto de não conseguirem mais refletir, analisar, se aprofundar, pesquisar, contestar ou contextualizar. E surge uma legião de gente vazia querendo opinar sobre o que não conhece ou que conhece na base do “ouvi dizer”. E como não são atrizes em programa ao vivo, muitas pessoas acabam não tendo a hombridade de dizer: “Não sei”, “Não assisti”, “Não sou capaz de opinar”.

Desta forma, com a criticidade golpeada pela velocidade cada vez mais acelerada, pelo excesso de informação e de mensagens, ou pelo narcisismo que privilegia mais o exterior que o conteúdo, essa geração se torna alvo fácil dos manipuladores. Logo, o “efeito Glória Pires” precisa ser debatido e estudado pelos educadores. O sinal vermelho já foi ligado faz tempo.

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista

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