Duas cidades em uma



Existem duas realidades bem definidas em Boa Vista. Uma delas é aquela da cidade que vai da Avenida Venezuela até os bairros mais nobres, nas zonas Leste e Norte. A outra é a que vai da Avenida Venezuela até os mais longínquos bairros da zona Oeste. Duas direções opostas.

Quanto mais for se distanciando rumo aos bairros afastados do Centro, é possível sentir a enorme diferença entre essas duas cidades; a cidade bem arborizada, com ruas pavimentadas, iluminadas e enfeitadas de flores, vai dando lugar a bairros onde a pobreza é mais visível e a estética vai se resumindo às vias principais, por onde transita o grande fluxo de gente e veículos.

Quem mora nas áreas mais centrais não tem porque não estar satisfeito com o bonito visual, complementado mais recentemente por ciclovias que permitem uma sensação de modernidade. No geral, nesse setor da cidade, residem aqueles que não dependem dos serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança, então a estética se torna uma moldura.

Porém, quem mora nos bairros mais afastados pode até admirar tudo isso, mas se desencanta quando precisa levar seus filhos em busca de atendimento na saúde pública, ou quando cai qualquer chuva ou quando a insegurança ronda as praças públicas a qualquer hora e dia da semana, ou tem que encarar o caos no trânsito.

A estética que um setor da cidade consegue enaltecer passa a não ter o menor sentido quando a pessoa precisa ir ao hospital em busca de atendimento para suas crianças. Ou quando esta pessoa se empenha para conseguir uma vaga na creche a fim de que possa trabalhar mais tranquila enquanto seus filhos estão protegidos.

Todos os boa-vistenses torcem por uma cidade bonita e acolhedora. Isso é fato. Mas ninguém pode prescindir a estética pelos serviços essenciais funcionando com qualidade, aliviando o sofrimento das famílias assalariadas ou desempregadas que não podem pagar plano de saúde, escola particular ou morar em um bairro com infraestrutura.

Enxergar as belezas das flores da janela de um ônibus que demora uma eternidade não é fácil. Admirar as ciclovias morando em ruas sem pavimentação, alagadas ou esburacadas é um desafio. Contemplar a urbanização das áreas centrais da cidade ou das vias principais dos bairros centrais é doloroso para quem é obrigado a enfrentar uma fila de atendimento no Hospital da Criança.

Friso: ninguém está torcendo contra a urbanização e a estética da cidade. De forma alguma. O que as famílias mais pobres cobram é uma cidade que possa ser bem planejada na saúde, na educação, no trânsito e na segurança nas praças públicas. Isso não é pedir demais. Isso é obrigação do poder público.

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

*Jornalista

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