Pitiú e bomba atômica


Quando comecei no jornalismo diário, em 1992, cheguei a uma Redação de jornal assustado, porque vi naquele momento que era um lugar para doidos varridos. Um amontoado de gente em um espaço que parecia organizado fisicamente, mas completamente fora dos padrões para alguém acostumado a escrever solitariamente nos informativos da escola.

O barulho frenético dos teclados da máquina de datilografia e o som característico das laudas sendo arrancadas furiosamente do rolo da máquina para serem resgadas iradamente e jogadas no cesto de lixo, pois não havia como corrigir o que se escrevia, me fizeram imediatamente cair na realidade. “É isso o que eu quero”, disse mentalmente.

Naquela época, eu tinha uma noção do que me esperava, pois eu já havia escolhido o mundo das letras desde pequeno, quando li, no livro didático da 5ª série do 1º Grau (era assim que se chamava na década de 70), um texto sobre o que era um jornal e o que era uma reportagem. Desde lá, por todas as escolas por onde passei, tratava logo de fazer um jornalzinho, nem que fosse só para circular só na sala de aula, até ganhar corpo e ser adotado pela escola.

Ao colocar os pés dentro da Redação de um jornal de verdade (logo depois descobri que não era um jornal de verdade dentro dos conceitos acadêmicos e éticos, muito menos do ponto de vista político - mas depois eu trato disso), eu era um jovem de 22 anos que achava que o mundo tinha que ser partido ao meio, com a eliminação dos cancros em forma de gente. E tinha uma ideologia tão forte quanto o cheiro de peixe vendido ao ar livre na feira, sem refrigeração.

O tempo passou. Não acho mais que o mundo tenha que ser partido ao meio. Agora tenho certeza que somente uma bomba atômica para zerar tudo. Ou Jesus volta logo, arrebata somente os bons e destrói o que ficou para trás, sem olhar, como se fosse um terrorista islâmico sádico. Mas a ideologia ficou intacta, como se fosse um pitiú (joga no Google) irremediável na vida de um pescador.

Ontem, quando meu filho mais velho completou 14 anos de idade, me vi anestesiado a fazer uma reflexão sobre essa trajetória. Como toda minha vida foi só jornalismo, algo como uma doença incurável, não havia outra forma de avaliação. E visualizo à frente com olhar de quem viu a linotipo morrer e o silencioso computador, que deu charme à Redação ao substituir as máquinas de datilografia, aliviando a má impressão de hospício que o ofício carrega.

Mas não consegui mais ver aqueles jovens cujos olhos brilham ao chegar a uma Redação, cujo cheiro de ideologia vem impregnado como se fosse a tinta de um jornal que acabara de sair da rotativa. Tenho receio do futuro. E espero que meus filhos, todos eles, também queiram um mundo melhor. E então poderei ir em paz...

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista 

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