Da cama para o mundo


Em 2004, desembarquei nos Estados Unidos para um intercâmbio profissional, com a missão de conhecer os principais jornais, berço do jornalismo moderno, e para um intercâmbio cultural, a fim de visitar os índios de lá, os nativos americanos. Além de Washington-DC, estive em Seattle (Washington), Santa Fé (Novo México), São Francisco (Califórnia) e Oklahoma City (Oklahoma). 

Esse momento proporcionou-me a possiblidade de conhecer um pouco o país cobiçado por muitos, principalmente os latinos. Em contato com vários profissionais, como professores universitários e jornalistas, tirei muitas lições de vida, entre as quais uma muito oportuna para este momento por qual passa o Brasil, direcionada aos jovens. Lá, desde cedo, os jovens aprendem a ter independência e se preparam para sair de casa, pois a cultura norte-americana é a distância cada vez mais cedo da casa dos pais. 

Enquanto nos EUA é humilhação ficar na casa dos pais depois de adulto, no Brasil é uma cultura adiar a partida. Pior ainda: desde criança, o brasileiro aprende a ser indolente, a ter birras, a cobrar coisas sem dar uma contrapartida, ao menos arrumar seu quarto, lavar sua própria roupa íntima ou limpar o banheiro do quarto. 

No país mais rico do mundo, é normal aprender serviços domésticos desde pequeno, então torna-se um luxo contratar diarista ou encanador ou mesmo alguém para consertar algo quebrado em casa. No Brasil, chama-se até um “marido de aluguel” ou uma diarista para trocar a botija de gás. 

Os adolescentes brasileiros crescem achando que pertencem a uma casta superior, divindade de outra galáxia, que não podem carregar uma bolsa na feira ao lado da mãe, ou não podem fazer uma atividade doméstica porque vai parecer um pobretão ou pobretona, ou mesmo vão “virar gays” - no caso dos meninos. 

Pior é ver adolescente ir aplaudir Bolsonaro, como se isso fosse parte de uma nova ordem política mundial. Mas esses mesmos adolescentes sequer imaginam que, para mudar o mundo, é preciso primeiro aprender ao menos arrumar o próprio quarto ou mesmo arrumar a cama.

Esses jovens vão buscar a idolatria em uma figura criada pelos “memes”, correntes e vídeos de internet, mas não querem aprender a cidadania em casa (onde não querem fazer nada e só pedem regalias), na escola (onde não respeitam o professor e vivem dando jeitinhos para sequer fazer os trabalhos escolares) e na vida (tiram onda com o mendigo, o trabalhador de rua, o gari, a doméstica, o feirante...). 

Esse é o país onde jovem enaltece Bolsonaro, mas não quer ter noção de família. Quer mudar o país, mas não começa por si, na sua casa, na sua escola e no seu bairro. Cultua os EUA, mas não sabe que lá a criança e o jovem têm obrigações e se preparam para ter autonomia desde cedo, longe dos pais. 

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista

Acesse: www.roraimadefato.com

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