Nas barbas de Deus


Jessé Souza*

É preciso que os estudiosos encontrem uma nova denominação para as igrejas que estão transformando fé em espetáculo para arrecadação de dinheiro. Não se pode mais chamá-las de neopentecostais pelo simples fato de colocar, no mesmo saco, os pentecostais que defendem a fé pela força do Espírito Santo.

Os verdadeiros neopentecostais costumam, por meio de sua experiência com a fé, “falar em línguas” não entendidas por nós, pecadores, de outras religiões ou mesmo os sem-igrejas. As novas igrejas que estão surgindo também falam em línguas, mas estas são bem entendidas muito bem por todos, a do dinheiro.

Os pastores emergentes são profissionais em tornar a fé em um espetáculo usando a palavra de Deus, explorando as necessidades e vícios das pessoas. Da dificuldade financeira aos problemas com droga ou de saúde não remediados nos hospitais, as igrejas “neoteatrais” prometem cura para tudo, até para o impossível – se é que exista impossível quando se trata de fé.

Prometem inclusive apagar o passado das pessoas ou mesmo a opção sexual (ou já esqueceram da “cura gay”?!). O roteiro dos pastores desse tipo de igreja é o mesmo: quando eles conseguem ficar ricos, partem para outro plano, o da política, pois não basta ganhar dinheiro, é preciso acumular mais poder.

Misturando religião e política, cultivam uma legião de pessoas alienadas por meio de cultos teatrais, discursos cada vez mais agressivos (contra o demônio ou contra políticos) e têm posição em destaque nas programações de rádios e TVs compradas com o dinheiro das doações dos fiéis que crêem que podem conseguir a clemência de Deus doando dinheiro para a igreja.

Além de arrebanhar milhares de pecadores para seus cultos, os discursos de pastores “neoteatrais” acabam convencendo também os que não têm religião nem fé, mexendo no convencimento dos que são desinformados, preconceituosos ou mesmo propensos a misturar política com religião, ainda que contraditoriamente defendam que o Brasil seja um “Estado laico”.

Nesse bolo, compartilhando das mesmas ideias, entram os fascistas, os que pedem a volta dos militares, os que adotam a “moda de ser ignorante” e os que se posicionam contra direitos de minorias sob alegação de serem contra o “comunismo”.  É por isso que tais igrejas precisam de outro rótulo, e não a denominação de neopentecostais, pois de Espírito Santo elas não têm nada.

Possuídas pelo espírito do dinheiro, essas igrejas investem alto na alienação completa do ser humano. Para arrebanhar mais almas desvalidas, apelam para espetáculos histriônicos, desafiando o inferno e sapateando não apenas na “cara do demônio”, mas também nas barbas da Receita Federal.

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista 

*Jornalista

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