De cima para baixo

Jessé Souza*

Pirataria é crime. Vender produtos piratas é contra lei. Montar uma banca qualquer de camelô na calçada sem autorização das autoridades também. O Centro de Boa Vista está cheio de barracas com produtos da Guiana e da Venezuela, concorrendo ilegalmente com quem paga imposto. Porém, é somente com este olhar que devemos enxergar essa realidade em Boa Vista?

A resposta é não. Embora os discursos das autoridades e dos mais extremistas afirmem que o comércio ilegal prejudica a sociedade por causa da sonegação de impostos ou porque a pirataria também esteja associada supostamente a outros crimes, esta não é uma realidade específica de Roraima, que está na fronteira com dois países, ou de qualquer outra cidade brasileira.

Nos Estados Unidos do século XIX, por exemplo, surgiram os “robber barons”, ou os “barões ladrões”, que abriam os seus negócios primeiro e depois buscavam o perdão da lei. E, na atualidade, são várias empresas de grande porte que jogam sujo na internet, desafiando a legislação, furando o bloqueio de direitos autorais, usando cadastros de pessoas sem autorização para fazer propagandas, omitindo serviços, usando mão de obra não registrada, sem documento e sem local físico de atuação.

Quantas vezes seu telefone tocou ou recebeu mensagens oferecendo produtos sem que você tenha autorizado a divulgação de seus dados? Até um dia desses, havia uma autoridade mentindo em seu Facebook que teria milhões de “seguidores” e “curtidas”, mais que qualquer celebridade mundial. Ou seja, usava uma fraude para fazer propaganda política.

Vamos mais a fundo: políticos que usam testas de ferros para montar postos de gasolina, supermercados, locadoras de veículos, empreiteiras, concessionárias de carros e outros empreendimentos. Sabe-se lá a origem desse dinheiro, concorrendo de forma desleal com quem tem que seguir as regras, tomar dinheiro emprestado em bancos com juros extorsivos. Quem é mais prejudicial para a sociedade: o camelô com seus produtos contrabandeados ou o político que rouba dinheiro público e monta negócios usando testas de ferros?

São inúmeros os exemplos da ilegalidade que movimenta a economia local, mas somente merece recriminação, fiscalização e repressão o camelô com sua barraca de lona com produtos estrangeiros. Se titubear, até a Receita Federal vai atrás do Imposto de Renda do camelô, este que ajuda inclusive a socializar tecnologias antes impensáveis para uma pessoa assalariada.

É necessária uma visão ampla da realidade que nos move diante desses novos tempos. Porque, senão, nos tornamos reacionários para uns fatos e totalmente patéticos para outros quando se trata de quem tem poder político e financeiro. Vamos cobrar exemplo de cima, antes de criminalizar apenas os de baixo.

P.S.: Artigo publicado originalmente na Folha de Boa Vista 

*Jornalista
jesseroraima@hotmail.com

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